O PROBLEMA DA ESCRAVIDÃO E OS HOMENS INOLVIDÁVEIS
- Uiliam Grizafis
- 31 de out. de 2020
- 4 min de leitura

Detalhe da Missa Campal da Abolição, em 17 de maio de 1888.
Imagem de Gazeta do Povo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-cruz/a-abolicao-o-ocaso-da-monarquia-e-a-manipulacao-historica/. Acesso em 30 de outubro de 2020.
No Brasil há muitas narrativas em torno do tema da escravatura e não se pode negar que foi um período asqueroso e terrível. Infelizmente a ideologização do tema tem feito com que a história seja contada de modos distintos e consequentemente muitos heróis negros têm sido atenuados. O professor de filosofia e colunista da Gazeta do Povo Paulo Cruz, tem feito um excelente trabalho e traz à luz aqueles que foram empurrados para escuridão. Nos seus textos, nos emocionamos na medida em que ele ressuscita grandes nomes de homens negros da nossa história, como por exemplo, Henrique Dias conhecido como o governador dos Crioulos, Pretos e Mulatos do Brasil. Ele conta que em 1633, se apresentou ao então governador da capitania de Pernambuco, Matias de Albuquerque, se oferecendo “para servir, com alguns de sua cor, em tudo o que lhe determinasse”. Ele iniciou como capitão, mas, posteriormente, recebeu a honraria de ser governador de um terço (como se chamavam os pelotões militares à época) de homens pretos e mestiços. Até sua morte, comandou e governou um pelotão de cerca de 400 homens, que foram chamados de Henriques. O Brasil sofreu com a invasão dos holandeses no Nordeste e Henrique Dias teve um papel importantíssimo na expulsão deles do Brasil. Teve destaque nas duas batalhas dos Guararapes. Paulo Cruz nos conta no seu artigo que, após a expulsão dos holandeses, vai, pela segunda vez, a Portugal, pedindo ao rei em seu favor e de seu Terço, que era formado basicamente por escravos. Henrique Dias pediu a libertação deles, que lhe foi concedida.
Paulo Cruz em outro texto traz Tobias Barreto (1839 – 1889), que foi um grande jurista, poeta e filósofo, liberal e abolicionista. Ele aprendeu a língua alemã sozinho e foi um dos principais responsáveis por tornar a filosofia alemã conhecida no Brasil. Também não podemos deixar de citar Francisco de Paula Brito (1809 – 1861), garoto pobre, neto de escravos que conseguiu emprego de aprendiz de tipógrafo. Se tornou o primeiro editor de livros brasileiros, sendo responsável por empregar ninguém menos que Machado de Assis. E por que não falar de Machado, o maior escritor brasileiro, negro e neto de escravos? Outro escritor foi João da Cruz e Sousa, o poeta-mártir, filho de escravos alforriados que em 1870, deu aulas particulares para ajudar a família e publicava poemas em jornais locais, além de ser um excelente orador.
A abolição da escravatura não foi realizada de uma hora à outra, durou alguns anos, e veremos aqui quatro leis que contribuíram para isso. Uma dessas leis foi a de Nº 581, de 4 de setembro de 1850, conhecida como Lei Eusébio de Queirós. Essa lei estabeleceu medidas para a repressão do tráfico de africanos no Império. Sua promulgação é relacionada às pressões britânicas sobre o governo brasileiro para a extinção da escravidão no país. Outra lei é a que foi assinada no dia 28 de setembro de 1871, de Nº 2.040, conhecida como Lei do Ventre Livre. A medida veio para diminuir a questão da escravidão no país. Ela declarava livres os filhos de mulher escrava nascidos no Brasil a partir da data da aprovação da lei. A Lei dos Sexagenários de Nº 3.270, de 28 de setembro de 1885, também conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe, concedia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. E não podemos deixar de falar da lei que foi assinada no dia 13 de maio de 1888, Nº3.353 que foi sancionada pela princesa Isabel e que pôs fim à escravidão.
A abolição no Brasil demorou muito para acontecer, fomos o último país das Américas que ainda possuía um regime escravista. Não podemos ignorar o fato de que além dos abolicionistas, a Monarquia Constitucional Brasileira também teve um papel importantíssimo na abolição. Era o que estava no coração de D. Pedro I, D. Pedro II e da Princesa Isabel. Quando assumiu o trono, em 1840, D. Pedro II alforriou todos os seus escravos, passou a pagar salários para os Escravos da Coroa e a custear os estudos de seus filhos. Em 1864, recomendou a causa da abolição ao seu ministério. A princesa Isabel, mesmo consciente que poderia perder o trono, não deixou de lutar pela causa.
Não podemos apagar a história da escravidão no país e tampouco podemos apagar esses nomes que foram mencionados, importantíssimos homens da nossa história e que hoje não são aludidos como deveriam ser. Há um problema ideológico no nosso contemporâneo, e sobre isso, o professor Paulo Cruz fala: “Está colocada diante dos negros brasileiros uma escolha; ou procuramos a nossa independência e a nossa autonomia, não ficando reféns de nosso passado tão doloroso, tampouco do Estado – requerendo somente a desobstrução do caminho que nós mesmos queremos trilhar, sem sua intervenção paternal e escravizante –, ou sucumbiremos na morte – espiritual, perpetrada por ideologias que inoculam em nós o veneno do ressentimento que paralisa e mata, ou a morte física da vulnerabilidade periférica. Não consigo enxergar uma receita pronta para a solução de nossos problemas sociais, porém devem ser tratados com o máximo de cuidado e empatia. Talvez, possamos nos inspirar nesses grandes homens e não colocar no Estado, aquilo que deve ser conferido a nós.
Comments